Quarteira
De modesta aldeia piscatória até aos anos 1970, Quarteira passou a sede de um dos maiores empreendimentos turísticos privados da Europa: Vilamoura. É uma freguesia faccionada e isso vê-se: nos prédios com muitos andares e fachadas por pintar que contrastam com reluzentes moradias geminadas; nos diferentes idiomas — do inglês ao bengali, as misturas podem ser muitas — que ecoam pelas ruas; na diversidade de negócios locais, com mercados em que os preços ainda se regateiam e lojas onde um perfume pode custar centenas de euros; e nos diferentes sentimentos de pertença de quem a habita.
“Não sou de Quarteira, sou de Vilamoura”, apressa-se a sublinhar quem vive contíguo aos campos de golfe, aos hotéis e residências de luxo, à marina e ao casino. Apartados desta realidade, no centro da freguesia, há o porto de pesca onde se vêem — ainda que cada
vez menos — rostos queimados pela faina, o mercado de peixe que lá vai sobrevivendo apesar dos poucos fregueses, a rodoviária num constante vaivém de pessoas e pequenas mercadorias e uma classe de imigrantes a quem depois de pagas as contas pouco sobra para comer. Quem faz de Quarteira efectivamente casa, anseia por habitação própria e acessível. Quem vem de fora, de passagem ou para ficar, enleva-se pelo mar e pelo sol.
Quase metade dos estrangeiros que vivem no concelho de Loulé concentram-se nesta freguesia algarvia. A par com os que aqui nascem e os migrantes vindos do Alentejo, Centro e Norte do país, compõem a mancha humana que faz mover um território onde a economia sazonal do turismo dita a cadência da vida: “Amealha-se no Verão para gastar no Inverno.”
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Número de habitantes de Quarteira, a freguesia mais populosa do concelho de Loulé.
Fonte: Censos 2021
22%
Um quinto dos residentes veio de outras regiões de Portugal. Os 5412 migrantes são maioritariamente do Alentejo (1486) e da Área Metropolitana de Lisboa (1465).
Fonte: Censos 2021
“Saí de Mombeja, no Alentejo, em 2004, vim atrás da minha filha. Comecei por trabalhar na restauração, como ajudante de cozinha, mas depois mudei-me para as limpezas. Nos meses de Inverno limpo escadas, nos meses de Verão limpo as casas de férias. Ganho o ordenado mínimo. Quando vivia no Alentejo, ia votar, mas desde que me mudei para o Algarve nunca mais votei. Não sei porquê.”
Mariana, 63 anos, empregada de limpeza
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Número de casas em Quarteira que são segunda habitação, correspondem a mais de metade das casas disponíveis na freguesia (59%).
Fonte: Censos 2021
“Meu esposo sempre diz que estamos trocando seis por meia dúzia. Aqui a educação tem mais qualidade, há menos violência, mas o salário… é à conta. Viemos achando que conseguiríamos juntar dinheiro, mas infelizmente não dá. Sobrevivemos com o básico. Moramos em um T1 e pagamos 700 euros de renda. Ganhamos para a casa, para fazer a feira e sair — porque também somos filhos de Deus. A gente almoça fora uma vez por mês.”
Benedita, 54 anos, empregada de limpeza
21%
A proporção de residentes estrangeiros é quatro vezes maior do que em todo o país (5%). O Brasil é o país de origem da maior comunidade imigrante (32%), em linha com o que acontece no resto do país (37% dos imigrantes são brasileiros).
Fonte: Censos 2021
“Sou trabalhadora temporária, trabalho em vários hotéis — no Tivoli, no Grande Real de Santa Eulália, no Hilton — e vou mudando conforme a necessidade. Normalmente são contratos de sete meses — desde Abril até acabar a época do golfe, no início de Novembro. O resto do ano é passado em casa, no fundo de desemprego, ou vivo do que juntei no trabalho sazonal.”
Maria João, 54 anos, cozinheira
43%
O concelho de Loulé é o sexto do país com maior desigualdade na distribuição do rendimento (41,4% em Portugal). E o segundo do Algarve com maior poder de compra per capita, 15,4% acima da média nacional.
Fonte: Estatísticas do Rendimento e Estudo sobre o Poder de Compra Concelhio 2021 (INE)
“Houve uma altura em que deixei de acreditar no voto, estava zangada com o mundo. Agora também não acredito, as minhas filhas é que me lembram: ‘Mãe, o voto é um dever, é um direito.’ Há já uns anos que vamos as três votar. Mas estou descontente. Sinceramente, quem não está? O que é que os políticos fazem por nós? A questão é: votar em quem?”
Maria, 55 anos, assistente operacional
“Votei pela primeira vez nas legislativas de 2022, porque a vida está difícil para os jovens. Queremos evoluir, construir uma vida, e não estamos a conseguir. Neste momento vivo em casa da minha sogra, não conseguimos ter uma casa sequer.”
André, 25 anos, vendedor ambulante
66%
Percentagem de eleitores que não votaram nas eleições autárquicas em 2021. Foi a sexta taxa de abstenção mais alta do país.
Fonte: Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna
“Sou sul-africana, filha de pais angolanos. Vim para o Algarve com 12 anos. Não sou de Quarteira, sou de Vilamoura, onde tenho casa própria. Já não passei tantas dificuldades como os meus pais, mas ainda há quem passe. São muitas promessas, mas pouca concretização. As pessoas estão indecisas sobre em quem votar, queixam-se do aumento do preço da comida. Eu cheguei a votar, mas agora já não voto.”
Estela, 48 anos, vendedora de loja
22%
O sector do alojamento e restauração é a actividade económica que mais pessoas emprega em Quarteira, 2183 trabalhadores.
Fonte: Censos 2021
Fátima, 56 anos, funcionária pública
“Tudo aumenta, tiram-nos tudo. Trabalhei 30 anos como empregada de limpeza num hotel. Há seis anos e meio fui para as piscinas municipais de Quarteira e ainda não me passaram a efectiva. O meu marido teve um problema nos rins e teve de ser operado, toda a vida trabalhou e agora recebe um subsídio de 300 euros.”
“Sou romena, estou aqui há 13 anos, mas nunca fui votar. O meu marido é português e também não vota. Os políticos são todos iguais — no final o que fazem? Nada! Devia haver um corte no Parlamento: para quê tantos deputados?”
Angela, 40 anos, empregada de limpeza
“Tenho duas filhas que regressaram à base; cada uma tem uma filha, vivem todas comigo. Tinham casa própria, mas hoje não conseguem pagar a prestação. Pedem-me dinheiro para o combustível, para umas sapatilhas, para ir ao médico. Setenta euros por uma consulta é muito para mim, mas para elas é ainda mais. Quando era miúdo, passei muito. Entristece-me ver que as minhas filhas e netas podem vir a passar pelas mesmas dificuldades.”
Carlos, 60 anos, peixeiro
“Nasci em Angola, vim para Portugal em 1975, depois fui viver para o Rio de Janeiro e regressei em 2000. Votei pela primeira vez há dois anos, no Chega. Não sei se o André Ventura é um bom político, mas é um grande benfiquista.”
Carlos, 67 anos, reformado