Morgade
Nos altos montes da região do Barroso, em Vila Real, onde aldeias se encostam e encobrem, os lugares de Carvalhais, Criande, Morgade e Rebordelo irrompem numa das margens da barragem do rio Rabagão.
As quatro povoações formam a freguesia de Morgade, onde a agricultura e a pecuária são as principais actividades profissionais, agora ameaçadas pela reactivação da Mina do Romano. Além da exploração subterrânea, planeia-se cavar um buraco a céu aberto para de lá retirar lítio durante pelo menos 13 anos.
“Não aceitamos que queiram destruir as nossas aldeias e serras, e a nossa qualidade de vida.” Armando, 48 anos, morgadense de gema, é o porta-voz da associação Montalegre Com Vida, responsável pelas acções que levaram ao boicote da ida às urnas nas eleições europeias de 2019 e nas presidenciais de 2021. Um movimento que fez de Morgade a freguesia com a maior taxa de abstenção nessas eleições. Já nas autárquicas de 2021, viveu-se uma realidade bem diferente: a forte afluência justificou-se com o retorno em massa de muitos dos emigrantes de Morgade.
“Pagaram a viagem ao meu irmão, e ele veio de autocarro desde França para vir cá votar”, recorda Armindo, um reformado da camionagem e construção civil de 68 anos. Vivem pouco mais de 190 pessoas nesta freguesia onde o eco do sino da igreja ainda marca a passagem das horas, e extensos hectares de terrenos baldios dão alimento ao gado.
Durante a semana, cerca de metade da população trabalha em Montalegre, a vila mais próxima, e só regressa para dormir. Mas ao fim-de-semana não faltam motivos de convívio: o serão dançante e o canto à desgarrada no café Cerdeira, a missa matutina de domingo, ou o célebre cozido de carnes da D. Ana Rosa, no café Pinto.
Apesar de notório o fervor com que se apregoa a terra, Morgade é um território com o futuro em risco — igual a tantos outros do interior de Portugal. “Viver aqui, só para quem for como eu e quiser andar atrás das cabras e das vacas”, remata Arminda, uma pastora de 49 anos.
> 95%
Morgade foi a freguesia do país com maior abstenção nas europeias de 2019 e nas presidenciais de 2021.
Fonte: Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna
“Foi uma abstenção de protesto, porque o Governo decidiu entregar a concessão de exploração da mina de lítio de Montalegre sem o conhecimento da população. Se não tivemos voz nessa altura, também não a quisemos ter nas eleições.”
Armando, 48 anos, professor
288
Número de pessoas inscritas nos cadernos eleitorais em 2024.
Fonte: Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna
“Desde os 18 anos, nunca falhei uma votação — excepto quando não votámos em protesto. Não deixo que os outros decidam por mim, mas posso dizer que sou um dos indecisos. Sei que nas próximas legislativas vou votar num partido de esquerda, mas estou indeciso. Começo a não acreditar no poder político.”
António, 63 anos, agricultor
“Sou pastora desde que me casei, há 19 anos. Tenho cabras e vacas. Há anos que temos de as vender a preço baixo, enquanto o preço das rações e do gasóleo continua a aumentar… Os agricultores são os mais prejudicados. Os políticos são todos farinha do mesmo saco! Só ajudam quem não precisa; quem é pobre, pobre fica. Votar para quê?”
Arminda, 49 anos, pastora
33%
Morgade tem dez vezes mais trabalhadores no sector da agro-pastorícia do que a média nacional (3%). São 18 pessoas num total de 55 trabalhadores.
Fonte: Censos 2021
“Não ligo nada à política, são todos uns aldrabões. Não confio neles. Só quando chega o dia e a hora de votar é que decido se vou. Aqui não entregam panfletos, nem sequer um político aqui aparece. Estamos no fim do mundo.”
Ana Rosa, 69 anos, comerciante
6
Idosos por cada jovem. Em Carvalhais, Criande, Morgade e Rebordelo — as quatro aldeias que compõem a freguesia —, o envelhecimento é três vezes superior à média nacional (dois idosos para cada jovem).
Fonte: Censos 2021
“Éramos sete irmãos, os meus pais não tinham condições e tive de fazer-me à vida. Fui para Londres com 19 anos. Foi lá que conheci o meu marido, casei e vivi durante 24 anos. Regressámos há seis anos, mas o meu marido foi contra. Gosto do meu país, saí para orientar a vida, poder comprar uma casinha, e regressar.”
Teresa, 55 anos, vigilante de autocarro infantil
“Vivi 52 anos em França — estive no bairro 78 e depois mudei-me para o 94. Fui para lá com 17 anos, regressei em 2019. Quando vivia perto de Paris, e as coisas não estavam bem, cheguei a votar no Le Pen, mas não disse a ninguém. Se votar nas próximas eleições legislativas — ainda não sei se vou —, será no Chega. Gosto de ouvir o André Ventura falar.”
Armindo, 68 anos, reformado da construção civil e camionagem
12
Número de pessoas que residiram no estrangeiro por pelo menos um ano, e regressaram a Portugal entre 2016 e 2021, corresponde a 6% da população total (195).
Fonte: Censos 2021
“Aqui as pessoas dependem do poder autárquico, a sua decisão não é independente. E os emigrantes vêm votar, principalmente os que estão em França. São votos que fazem a diferença no resultado.”
Armando, 48 anos, professor
“Enquanto vivi em Londres, nunca vim de propósito votar, mas cá sempre votei. Não acompanho o que se passa no país, mas vejo o que acontece na minha freguesia. As pessoas não votam pelo trabalho feito, mas pelas amizades. É preciso mudar isso. Mas como acertar? Votar em quem, para mudar a situação? Falta saber quem é a pessoa certa.”
Teresa, 55 anos, vigilante de autocarro infantil
“Pense comigo: duas eleições com abstenção alta por protesto. E depois aparece gente para votar nas autárquicas que eu nem conheço… A questão do lítio agora está mais parada, até pode ser que fique assim para sempre. Aí, as pessoas vão votar.”
Adérito, 48 anos, talhante
“Aqui a abstenção não é um problema, as pessoas acabam por ir votar. Somos poucos, votamos por amizade, não pela competência. Portugal tem muito pouco peso na Europa, que é dominada pelos países ricos. Aí há uma abstenção real, um desinteresse.”
António, 63 anos, agricultor
Abel, 69 anos, reformado da banca
“No ano em que celebramos cinco décadas de democracia, a expectativa em relação ao futuro é menor do que em Abril de 1974. Temos 20% da população em risco de pobreza e exclusão social no país, isso deveria preocupar-nos. Quiseram acabar com os ricos, quando deveriam ter procurado acabar com a pobreza.”
60%
Os trabalhadores por conta de outrem são mais de metade da força activa da freguesia.
Fonte: Censos 2021
“Os maiores empregadores da região são a câmara municipal, a Santa Casa da Misericórdia e o matadouro — a única indústria no concelho. Se da primeira vaga de emigração resultou investimento no território, nos últimos 20 anos a saída de pessoas tem sido prejudicial. Não há condições para fixar a juventude. E com a exploração mineira e o despovoamento, não vemos outro futuro além do fim da freguesia.”
Abel, 69 anos, reformado da banca