Feteiras
Durante a semana, o silêncio das ruas desertas só é interrompido, muito de vez em quando, pelo rebuliço das crianças no recreio da escola, pela passagem do tractor agrícola e pelos passos de alguém a caminho da farmácia ou do centro de saúde. Os cafés estão vazios, e são poucos os carros que se vêem a circular. A maioria das pessoas que faz de Feteiras casa, trabalha em Ponta Delgada, a capital da ilha de São Miguel, e só regressa ao fim da tarde.
Mas, quando os sábados amanhecem e o fim-de-semana começa, a freguesia parece outra: abrem-se os portões e as janelas das casas, aspiram-se e lavam-se os carros, os miúdos andam de bicicleta na rua e o burburinho das conversas passa a ser a banda sonora que se impõe.
A pobreza de que muitos falam, mas que não se vê, esconde-se na vergonha de quem não tem meios para pôr comida na mesa e, ainda assim, se recusa a pedir ajuda.
A falta de trabalho é um problema latente e quando se trata de encontrar culpados, são muitos os que apontam o dedo às “ajudas externas” do continente e da Europa: “Aqui, nos Açores, há subsídios para tudo e isso só nos prejudica. Quando é preciso alguém para trabalhar, não se encontra. Dantes, produzíamos de tudo, agora, estamos dependentes. Compensa mais estar parado, sem fazer nada”, critica Sérgio, 56 anos, um “homem anti-sistema”, nas palavras do próprio.
Num território insular, onde a maioria da população está em idade activa, a direcção do futuro aponta para o lado oeste do Atlântico, sobretudo para os Estados Unidos e o Canadá, onde vivem muitos dos emigrantes de Feteiras. Para trás, deixaram casas há anos fechadas, que os residentes garantem ser a chave para “resolver o grande problema da falta de habitação” — se em vez de serem transformadas em alojamentos locais, fossem alugadas a preços que se pudessem pagar.
92%
Feteiras foi a terceira freguesia com maior abstenção nas eleições europeias de 2019.
Fonte: Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna
“O meu único partido é a Frente de Libertação dos Açores, já não temos condições para ser independentes, mas dantes tínhamos… Vivi muitos anos no Canadá, quando voltei, fui às finanças e pedi para riscarem de lá o meu nome. Desisti de ser português, está tudo em nome da minha mulher. Só tenho cartão de cidadão porque sou obrigado. Só não votei no André Ventura porque não voto, mas ele pelo menos é um homem corajoso. Se fizesse 50% do que diz… Para que é que a nossa Assembleia precisa de tanta gente ali se depois o povo está sempre na mesma?”
Sérgio, 56 anos
905€
Rendimento médio mensal de quem vive na freguesia, após os descontos, um valor abaixo da média nacional (1002 euros).
Fonte: Censos 2021
“Até casar, só ia votar porque o meu pai era fanático pelo PS e me obrigava. Depois disso, só votei uma vez para a junta de freguesia. O candidato era meu vizinho, mas nem foi por isso… Olho à volta e não temos campo de futebol, a piscina está destruída, os mais pobres têm casas a cair. Não quero saber da política para nada. Nem sequer vejo notícias, magoam muito! Prefiro pôr a passar um filme.”
Filomena, 60 anos, comerciante
4%
A percentagem de habitantes que recebem o Rendimento Social de Inserção (RSI) está distante da freguesia com mais beneficiários per capita — Monforte da Beira, em Castelo Branco (20%).
Fonte: Censos 2021
“As pessoas estão fartas, querem uma mudança. O que o Ventura diz é o que a maioria das pessoas pensa sobre o rendimento mínimo… Vemos pessoas novas que não trabalham, mas têm uma boa vida, um bom telemóvel, uma boa casa. Tenho 62 anos, acho que já devia ter ido para a reforma. Sou um exemplo de trabalho, isso sou: comecei com 16 anos, trabalhei 12 anos numa fábrica de papel, estive seis anos no laboratório da fábrica da cerveja em Ponta Delgada, trabalhei 12 anos na freguesia de Mosteiros, sempre com contrato. E, há 24 anos, voltei para a minha freguesia, já estou nos quadros do Centro de Saúde de Feteiras.”
Helena, 62 anos, empregada de limpeza
66%
Mais de metade dos habitantes trabalham noutra freguesia do município (452).
Fonte: Censos 2021
“Pelos alunos e pais com quem lidamos, vemos que há muitas famílias dependentes do RSI [Rendimento Social de Inserção]. Os jovens não estão formatados psicologicamente para trabalhar… Tive uma aluna de 4.º ano que me disse: ‘A minha mãe não trabalha e eu também não quero.’ Voto porque é o meu dever, mas não tenho expectativa de que haja uma mudança. Perdemos a fé perante o aumento da corrupção. É preciso mais fiscalização, mais supervisão às famílias, uma mudança nos maus hábitos do povo português.”
Maria José, 62 anos, professora
23%
Os Açores são a região com a mais alta taxa de abandono escolar precoce da União Europeia. Representa um em cada quatro jovens, entre os 18 e os 24 anos, o triplo da média nacional (7%).
Fonte: Inquérito ao emprego do Instituto Nacional de Estatística e Eurostat (2021)
“O Chega só ganha onde há gente que trabalha. O André Ventura, pelo menos, é directo, há que dar-lhe o benefício da dúvida. Em 50 anos de democracia, andámos a saltar entre o PS e o PSD e o que é que mudou? Eu sou do PSD, mas é sempre a mesma coisa, as pessoas ficam desiludidas…”
Pedro, 30 anos, agricultor
68%
Mais de metade da população não votou nas eleições legislativas de 2024.
Fonte: Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna
987
Número de eleitores que não votaram nas legislativas de 2024. A abstenção desceu 10% e o Chega foi, pela primeira vez, o partido mais votado (30,6%).
Fonte: Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna
“Sou de Torres Novas, distrito de Santarém. Mudei-me para os Açores há 28 anos. Já estou habituada a viver aqui, mas não gosto. O terreno foi-nos cedido pelo meu sogro que é natural da freguesia… Ainda procurámos casa em Ponta Delgada, mas o meu marido não queria viver num apartamento, por isso construímos aqui. A minha filha está em Lisboa há dez anos, viveu sempre num quarto. Só agora vai comprar um apartamento, mas com a ajuda dos pais e dos sogros, porque não tem dinheiro para a entrada.”
Maria José, 62 anos, professora
82%
A maioria dos residentes tem casa própria.
Fonte: Censos 2021