Cacém
A vida segue calma e, em quase todas as ruas, silenciosa, não importa a que dia da semana. As poucas lojas abertas são sobretudo minimercados, pastelarias e cafés. O Shopping Cacém é o único que parece resistir à mudanças dos hábitos de consumo, uma espécie de cápsula do tempo que faz lembrar os centros comerciais de bairro dos anos 1990: come-se cachupa no Cantinho África da Bela, há uma cabeleireira, um barbeiro e um espaço para fazer entrançados, e as crianças podem andar de eléctrico, mota ou avião, desde que tenham uma moeda.
Não sendo uma das freguesias mais populosas de Portugal, é no Cacém e São Marcos que se concentra o maior número de pessoas por quilómetro quadrado. A cada virar de esquina, nos restaurantes, nas esplanadas, à porta das escolas, são muitos os diferentes idiomas que se podem escutar: o português — com sotaque de Portugal ou do Brasil — e os crioulos da Guiné-Bissau e de Cabo Verde marcam as notas mais altas desta sinfonia, que é também o reflexo das pessoas que aqui vivem.
Os bancos de cimento e de madeira espalhados pelas ruas dão colo a quem quer repousar as pernas depois das compras, ou simplesmente parar e observar jovens e adultos a jogarem à bola, enquanto os visitantes se sentam nas esplanadas para provar os travesseiros e as queijadas de Sintra na Dona Estefânia. O espaço público é partilhado com os candidatos a deputados à Assembleia da República do Bloco de Esquerda e do Chega, que também por aqui andam em forma de cartazes, estrategicamente pendurados nos sinais de trânsito e nos postes de electricidade.
Cacém e São Marcos é uma das metades do município de Agualva-Cacém, em tempos um pequeno povoado agrícola regado pela ribeira das Jardas. A linha ferroviária entre Lisboa e Sintra, a chegada de pessoas oriundas de diferentes latitudes, e as políticas urbanísticas do pós-25 de Abril mudaram o panorama demográfico, social e económico desta periferia de Lisboa.
Hoje, o território divide-se em duas uniões de freguesias: Agualva e Mira Sintra, e Cacém e São Marcos, com a ribeira das Jardas a demarcar a fronteira entre ambas. São territórios contíguos, e não apenas geograficamente: habitam-nos uma população de culturas diversas que, na sua maioria, passa os dias a trabalhar fora e só vem a casa para dormir.
37%
Um terço da população não votou nas eleições legislativas de 2024. A abstenção desceu quase 10% face às legislativas de 2022 (46%), e o Partido Socialista manteve-se como o mais votado.
Fonte: Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna
“Estamos no meio de corruptos. Quando há eleições, é só mais um que vemos a entrar. Só vou lá para descarregar o voto. Trabalho para manter aquilo que é meu, mas quando desço a Avenida dos Bons Amigos até à estação, só vejo pessoas encostadas, gente parada.”
Nuno, 47 anos, camionista
“A política actual não é exemplar nem pedagógica, não se preocupa com a abstenção, não motiva as pessoas a cuidar do país de origem ou de acolhimento, nem a trocar o sofá e as pipocas pelas urnas eleitorais. Há pessoas que votaram toda a vida, como eu, e que se questionam se vale a pena lá ir.”
Lídia, 51 anos, professora
“Vim de Cabo Verde há 20 anos. Já trabalhei nas obras, no refeitório do Hospital Amadora-Sintra, em armazéns e numa loja de sofás em Cabra Figa [Rio de Mouro], numa fábrica de papel… Hoje, estou com a minha mãe neste café [Cantinho África da Bela], das oito da manhã às oito da noite. Não tenho tempo para ver notícias e saber da política.”
Ivanildo, 30 anos, empregado de balcão
8938
habitantes/km2
É a segunda freguesia do país com maior densidade populacional.
Fonte: Censos 2021
23%
Percentagem de cidadãos de origem estrangeira a viverem na freguesia do Cacém e São Marcos num total de 39 683 residentes. A maioria são brasileiros (23%), seguindo-se os cabo-verdianos (21%) e os angolanos (19%).
Fonte: Censos 2021
“No Brasil já tinha dois trabalhos, aqui é igual: sou serralheiro de dia e estafeta à noite. Não tenho tempo para me manter informado sobre a política. Não voto cá, nem voto para o Brasil. Sinto que não tenho o entendimento suficiente para tomar uma decisão consciente.”
Breno, 25 anos, serralheiro e estafeta
“Estou em Portugal há 20 anos, nunca consegui a nacionalidade porque tive problemas com a justiça. Agora tenho de esperar, não posso votar… Mas o meu voto ia mudar alguma coisa? Não sei… Era capaz de votar se existisse um partido e uma pessoa que me fizesse acreditar. Afinal, os políticos é que vão cuidar do nosso futuro e do dos nossos filhos.”
Ivanildo, 30 anos, empregado de balcão
“Sou de Cabo Verde, cheguei há um ano. Ainda não tenho nacionalidade portuguesa, por isso, não posso votar. Se pudesse, votava. Sempre votei no meu país. Ouço dizer que em Portugal não se está bem. Antes, o custo de vida era menor; hoje, a comida e a casa estão mais caros, é ainda mais complicado para pessoas estrangeiras como eu.”
Denilsa, 22 anos, empregada de balcão
76%
A percentagem de habitantes que completaram a escolaridade obrigatória está acima da mediana das freguesias nacionais (47%), e longe da freguesia com menor proporção de residentes com o 12.º ano, São Vicente, em Vila Real (7%).
Fonte: Censos 2021
“Não se fomenta o espírito crítico, nem a formação e a educação no verdadeiro sentido dessas palavras. Se calhar porque convém ter pessoas com pouca opinião… Na escola onde lecciono, passámos de uma sala de aula com alunos maioritariamente portugueses para o inverso. Muitos não falam português, nem sequer o inglês dominam.”
Lídia, 51 anos, professora
“Não acompanhava muito a política, mas quando cheguei à idade adulta e comecei a sentir na pele os problemas do dia-a-dia… Vejo que se deviam retirar os subsídios a quem faz menos, e beneficiar mais quem trabalha. Trabalho, há, mas não é remunerado como devia ser. Sou jovem, ainda vivo com os meus pais porque ter casa própria é caro.”
Ricardo, 27 anos, comerciante
18%
Percentagem que representa o peso do comércio por grosso e a retalho e reparação de veículos automóveis e motociclos na economia local. É o sector de actividade com maior expressão na freguesia.
Fonte: Censos 2021
10658
Número de pessoas que trabalham fora do município; correspondem a 54% do total da população empregada (19 599).
Fonte: Censos 2021
“Trabalhei numa fábrica, mas há 35 anos que sou vendedora no mercado do Cacém. Não tenho tempo para ver televisão, também não ouço rádio… Vou ouvindo os comentários dos clientes sobre a política e os políticos. Por norma, voto, não sei se bem ou mal. Faço o meu dever, mas o país está perdido, está um descalabro. Todos os políticos roubam, e nós — o povo — é que temos de pagar a dívida.”
Maria Isabel, 59 anos, comerciante
“Estive em Espanha, voltei no início de Fevereiro, e os transportes já aumentaram; o preço muda a cada ano. Vejo pessoas a saltar as cancelas porque têm de ir trabalhar, mas não têm dinheiro para pagar o bilhete. O problema não está só nas portagens e no combustível… O Estado tem de ajudar a população.”
Alfa, 55 anos, maquinista
“Assistimos a uma guerra entre partidos, os políticos não se preocupam em apresentar um bom projecto para a saúde, a educação, a habitação… as necessidades básicas. Neste momento, o confronto é entre partidos, não entre ideais. As mordomias na política deviam acabar, porque só quando dói é que vamos ao médico.”
Umilta, 72 anos, reformada da banca
64%
A União das Freguesias do Cacém e São Marcos esteve entre as dez freguesias de Portugal com maior abstenção nas eleições autárquicas de 2021.
Fonte: Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna