Borba
O colapso da Estrada Municipal 255, depois do deslizamento de uma pedreira de mármore em 2018, é a espinha na garganta de quem vive na cidade alentejana de Borba. Uma cratera a céu aberto que aumentou distâncias e isolou, ainda mais, uma população que se diz há muito abandonada pelo poder central.
A viagem em linha recta até Vila Viçosa, que permitia em pouco mais de cinco minutos escoar produtos e “ir ver as vistas”, é hoje feita em círculo e demora quase meia hora.
“Com as máquinas que o Estado tem, não podiam ter lá ido já tapar o buraco? Falava-se na construção de uma ponte, mas, até agora, nada… Passaram Borba a cidade, mas isto não tem condições nem para ser vila. Os serviços estão todos a ir embora daqui.
Construíram aí o pavilhão multiusos que ninguém usa, e o mercado que só serve no Inverno porque os mais velhos custam a subir ao 1.º andar.” O raio-X é feito por José Panasco, 64 anos, reformado da construção civil, mas são muitos os moradores a repetirem as mesmas queixas.
Especados à entrada do mercado municipal, do pavilhão multiusos, da escola primária… os cartazes com os logótipos dos fundos europeus são mais agradecidos à Europa do que as pessoas que aqui vivem. Para os habitantes de Borba, a União Europeia é uma espécie de primo afastado a quem dizem nada dever e de quem só se lembram de vez em quando, nem sempre pelos melhores motivos.
Matriz, corresponde ao centro histórico da cidade, e é a maior freguesia das quatro que compõem o município. É também uma das cinco onde, a nível nacional, menos se votou nas eleições europeias de 2019.
3387
A população de Matriz representa 52% do total dos habitantes da cidade de Borba.
Fonte: Censos 2021
65%
A maioria dos residentes tem mais de 40 anos. Apenas 15% da população tem menos de 18 anos.
Fonte: Censos 2021
José, 64 anos, reformado da construção civil
“Voto em todas as eleições sempre no mesmo partido, mas não digo qual é! Só nas autárquicas e nas legislativas… as outras não acho importantes.”
“Há 30 anos isto estava no auge. Depois veio o euro, os supermercados, as pessoas deixaram de ir aos mercados… Depois da entrada para a União Europeia, tudo está pior. Digo aos meus filhos para se irem embora, o que é que eles ficam aqui a fazer? Voto sempre, menos nas europeias.”
Carla, 51 anos, técnica de acção educativa
90%
A abstenção nas europeias está entre as cinco mais altas de Portugal. Nove em cada dez habitantes não votaram nas eleições de 2019.
Fonte: Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna
< 35%
A abstenção nas eleições legislativas de 2024 (31%) e autárquicas de 2021 (34,9%) está abaixo da média nacional (34% e 46% respectivamente).
Fonte: Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna
“A mim tanto se me dá quem ganha, só vou lá quando me apetece. Voto sempre no Partido Socialista, quando era nova diziam que era o partido para as pessoas do campo… Sabia lá a gente o que é que era bom.”
Olímpia, 90 anos, camponesa reformada
11%
Matriz tem três vezes mais trabalhadores no sector da agricultura e das pescas do que a média nacional (3%).
Fonte: Censos 2021
“Os políticos fazem leis de gabinetes, mas não sabem como a coisa se processa, estão distantes dos territórios que vão ser sujeitos a essas mesmas leis. Temos uma população envelhecida e sempre vivemos da agricultura. Hoje, os jovens formam-se e não têm para onde ir trabalhar. Precisamos de medidas que dinamizem a região, que incentivem as pessoas a quererem viver cá.”
Paulo, 53 anos, técnico agrícola
“Já votei em todos os partidos, mas não me tenho dado bem com nenhum. Os políticos falam de tudo, lembram-se de tudo, menos dos combatentes do Ultramar. De ano para ano, o nosso suplemento de reforma, como ex-combatente, só diminui. Ainda hoje, às vezes, vou dormir e fico a pensar em coisas de Angola.”
José, 79 anos, reformado
54
O número de estrangeiros residentes representa apenas 2% da população total, que conta 3387 pessoas.
Fonte: Censos 2021
“Estou cá há dez meses. Não há nada para fazer e é desse nada que estou precisando. É uma terra pacata, de velhotes, mas eu gosto, tem qualidade de vida. Não tem o que fazer, não tem onde gastar, aquilo que ganho, consigo poupar. Sinto falta da balada, adoro ir à discoteca e aqui não há. Às vezes, tem um amigo meu que toca e faz shows de música ao vivo, e aí eu vou.”
Silvana, 59 anos, empregada de café
“Vivo em Borba há 23 anos e tenho um filho que vive com o pai porque a minha casa não tem condições para uma criança. Quando não tenho trabalho no campo, fico a receber o Rendimento Social de Inserção. A última vez que votei foi no presidente da câmara, mas ele não me deu trabalho, não voto mais nele. Entrevistas para ir fazer cursos há muitas, agora, trabalho, nada. O que eu gostava era de trabalhar para a junta de freguesia a varrer as ruas.”
Susana, 47 anos, trabalhadora agrícola sazonal
5%
A taxa de desemprego está abaixo da média nacional (8%).
Fonte: Censos 2021
53%
A percentagem de habitantes que completaram a escolaridade obrigatória está acima da mediana das freguesias nacionais (47%).
Fonte: Censos 2021
“Costumo ir votar, mas para as europeias nem tanto. Sei que é uma parvoíce. As promessas políticas desmotivam-me, tenho sempre esperança, mas depois vejo que não fazem nada. Os caminhos que vão de Borba para as aldeias são uma miséria, e a estrada da pedreira?! Antigamente levávamos cinco minutos para chegar a Vila Viçosa, agora a viagem dura mais de 15. Os preços subiram, as pessoas não têm dinheiro para gastar e, por isso, já não querem saber da qualidade. Deixaram de comprar no mercado, fazem tudo nos supermercados.”
Laureta, 54 anos, vendedora
“Não me imagino a viver aqui, a vida é monótona. Alguns dos meus colegas de escola foram para Évora, outros para Lisboa, também para o Algarve… A maioria saiu de Borba. Alguns até querem voltar, mas não há nada nem ninguém a promover iniciativas que levem os jovens a ficar.”
Pedro, 20 anos, estudante universitário