

Almancil


Almancil é um simulacro das desigualdades do mundo.
De costas viradas para o Atlântico, nos limites da Estrada Nacional 125, acontece aquilo a que se pode chamar “a vida normal”: há escolas, parques, mercearias, cafés e restaurantes para diferentes gostos. Circulam pessoas de uma classe trabalhadora que por aqui vai ganhando a vida, e que acusa o Governo de só se lembrar do Algarve quando faz sol. Queixam-se de serem postos à margem: “É como a comida de que não gostamos e deixamos à borda do prato”, descreve Silvana, 59 anos, técnica de serviço educativo.
À medida que nos afastamos do centro da vila, em direcção às praias, a paisagem muda: os prédios são substituídos por vivendas de luxo com piscina, homens de viseira com pala polvilham extensos relvados de golfe, as estradas e passeios mal pavimentados dão lugar a um chão de pedra que, de tão impecavelmente calcetado, custa a crer ser real. Estamos na Quinta do Lago e em Vale do Lobo, dois dos resorts mais luxuosos de Portugal, onde a língua franca é o inglês e o acesso é restrito.
Pede-se a quem vive no Algarve, a região do país mais afectada pela falta de água, um esforço individual para reduzir o consumo. Mas é na Quinta do Lago e em Vale do Lobo que se regista o consumo doméstico mais alto de Portugal continental. As equipas de marketing destes resorts vendem-nos como “dos mais eficientes”, mas os números divulgados pela Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos dizem que os seus consumos ultrapassam centenas de litros outras regiões de Portugal.
“Para perceber Almancil é preciso compreender as duas realidades tão diferentes que nos rodeiam: a de quem tem muito dinheiro e não precisa de sair da Quinta do Lago para fazer nada e a dos imigrantes mais pobres que partilham o espaço público com as pessoas daqui”, esclarece o presidente da junta de freguesia, Joaquim Pinto.


“Neste momento, não me identifico com nada. Quem está no Governo acaba por criar maus hábitos na utilização do dinheiro público. O que se vê é má gestão.”
Ana, 51 anos, arquitecta
“Voto sempre, menos nas europeias. Voto só nas eleições mais importantes… pelo menos, é o que uma pessoa pensa: que as outras são mais importantes. Mas, se calhar, nem é assim, não é?”
Beta, 49 anos, talhante
“Votar para quê? Vale de alguma coisa ir votar? Ganho 700 euros, pago 500 de casa, se não fosse o salário da minha mulher…”
Luís, 54 anos, técnico de acção educativa
50%
Mais de metade da população de Almancil não votou nas eleições autárquicas e nas presidenciais de 2021, nem nas europeias de 2019.
Fonte: Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna


“Voto no Chega porque uma amiga me explicou o programa deles e eu concordo que o Estado não pode contribuir para quem não trabalha. Já me disseram que o André Ventura é racista, mas pronto…”
Alex, 23 anos, pintor
“Vivo em Almancil desde que vim de Bissau, em 1995. É um sítio sossegado, gosto de morar aqui. Depois de o PS entrar para o Governo, vi melhorias: os patrões passaram a pagar as horas extra, consegui a nacionalidade… Desde que sou portuguesa, voto sempre. Acho que devemos expressar o que pensamos. Ficar calado é que não.”
Ermelinda, 61 anos, vendedora de produtos alimentares

“Deixei de votar nos anos 1990. Percebi que nestes anos de democracia não mudou nada. Já não temos estadistas. Os putos estudam, mas não sabem o que é o trabalho, a teoria é diferente da prática. Fazem-se leis alienadas, as pequenas e médias empresas não são ajudadas.”
Victor Jorge, 68 anos, empresário

29%
A população a trabalhar por conta própria em Almancil está acima da média nacional (20%).
Fonte: Censos 2021








“Quem consegue comprar apartamentos novos, aqui, são portugueses com pais que podem ajudar, pessoas que compraram casa há anos e agora querem trocar. Ou, então, estrangeiros com dinheiro.”
Ana, 51 anos, arquitecta


“Não sei bem o que se passa na política cá. Nasci em Portugal, mas a minha nacionalidade é romena. Lá em casa, vemos o telejornal romeno, na Roménia também vai haver eleições em 2024.”
Diana, 21 anos, estudante universitária
22%
Percentagem de população estrangeira a residir em Almancil. A maioria dos estrangeiros são romenos (24%) e britânicos (20%).
Fonte: Censos 2021
30
Na Escola Básica Dr. António de Sousa Agostinho há alunos de 30 nacionalidades diferentes.
Fonte: Junta de Freguesia de Almancil

“A ideologia comunista é muito poética não fossem os pecados do ser humano. Não sou nada a favor de dar tudo igual a todos: uma pessoa que fica a dormir até tarde não merece o mesmo que aquela que se levanta cedo para ir trabalhar.”
Ana, 51 anos, arquitecta

“Trabalhamos para sobreviver. Só conheço os partidos principais: o PSD, o PS e, agora, o Chega. Não sei o nome de nenhum político, só do André Ventura, de quem toda a gente fala. Ele diz o que as pessoas querem ouvir, mas é só fogo de vista.”
Ricardo, 27 anos, comerciante

45%
Percentagem de residentes que votaram nas eleições legislativas de 2024. A abstenção baixou mais de 10% face às legislativas de 2022. O Chega foi o partido mais votado (30%).
Fonte: Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna
