Agualva
A União das Freguesias de Agualva e Mira Sintra, a 45 minutos de comboio de Lisboa, avista-se ao longe como um conglomerado de prédios altos e compactos, com janelas estreitas e escassas. Na artéria central da freguesia, a Avenida dos Bons Amigos, o comércio e a circulação são intensos. É uma espécie de foz do comboio, por onde todos os dias passam milhares de pessoas em constante vaivém entre a Linha de Sintra e a capital.
Segunda, terça, quarta, quinta, sexta, um mesmo cenário repete-se como que passado a papel químico. Para chegar à zona alta da freguesia, de onde sobressai a vista panorâmica sobre a malha urbana da serra de Sintra, é preciso serpentear o alcatrão. Mira Sintra tem menor dinâmica comercial, mas hoje concentra infra-estruturas como o Centro Cultural e a estação ferroviária onde se faz a ligação com a Linha do Oeste.
Aos sábados e domingos, os passos apressados deixam-se tomar pelo vagar. Nestes dias, é nos espaços verdes e no campo de futebol do 1947 CD Agualva, quando há jogo, que a vida acontece. O Parque da Ribeira das Jardas é o ponto nevrálgico. Aqui não se joga às cartas ou à malha, pessoas — de todas as cores e credos — encontram-se apenas para conversar, sem tirar os olhos dos miúdos que brincam no escorrega e no baloiço.
A familiaridade com os espaços públicos e o quotidiano da freguesia é visível, ainda que esta não se traduza numa maior proximidade com o poder político local. “Não sei quem é o presidente da câmara, nem sequer o presidente da junta. Sou de Moscavide, vim para cá há mais de 30 anos, mas trabalhei sempre fora. Aqui é praticamente o dormitório”, partilha Luís, 57 anos, responsável de máquinas.
Agualva e Mira Sintra é uma das metades do município de Agualva-Cacém, em tempos um pequeno povoado agrícola regado pela ribeira das Jardas. A linha ferroviária entre Lisboa e Sintra, a chegada de pessoas oriundas de diferentes latitudes, e as políticas urbanísticas do pós-25 de Abril mudaram o panorama demográfico, social e económico desta periferia de Lisboa. Hoje, o território divide-se em duas uniões de freguesias: Agualva e Mira Sintra, e Cacém e São Marcos, com a Rribeira das Jardas a demarcar a fronteira entre ambas. São territórios contíguos, e não apenas geograficamente: habitam-nos uma população de culturas diversas que, na sua maioria, passa os dias a trabalhar fora e só vem a casa para dormir.
65%
A União de freguesias de Agualva e Mira Sintra está entre as dez freguesias de Portugal com maior abstenção nas eleições autárquicas de 2021.
Fonte: Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna
“Voto sempre nas eleições legislativas e presidenciais, nas autárquicas não tanto. Sem o primeiro-ministro e o presidente da República não vamos a lado nenhum.”
Fernanda, 70 anos, doméstica reformada
“Não voto porque, na minha opinião, ainda não existe o partido ideal. Para votar em branco, prefiro não ir lá. Também já aconteceu não estar em Portugal quando aconteceram as eleições.”
Mário, 69 anos, professor reformado
“O estado do país está à vista de todos: rendas altíssimas, ordenados baixíssimos, combustível caríssimo. Os políticos prometem, prometem, mas depois de lá estarem em cima… Faço questão de ir votar, mas não sou eu quem os põe no poleiro. O meu voto é sempre aleatório, faço a cruz só nos partidos de baixo, nos mais pequeninos.”
Patrícia, 45 anos, servente de armazém
51%
A percentagem de pessoas a trabalharem fora do município está acima da média nacional (34%). Quase 45% destes trabalhadores demoram entre 30 minutos e uma hora a deslocarem-se de casa para o trabalho.
Fonte: Censos 2021
“Sou de Moscavide, mas vivo em Agualva há 30 anos. Trabalho fora, aqui é praticamente um dormitório, a vida é monótona. Nem sei quem é o presidente da junta. Depois do Álvaro Cunhal, são só bonecos. Os políticos de hoje em dia querem poleiro, já ninguém se bate por convicções. Voto para ter alguém do contra na Assembleia, para tentar evitar que aconteça o mesmo que ao CDS que ficou sem representação no Parlamento.”
Luís, 57 anos, responsável de máquinas
“Nasci em Angola, vim para Portugal com os meus pais em 1975. A minha actual companheira é de Agualva, vivo aqui há dez anos. Faço a minha parte: trabalho, cumpro um horário, ando com a minha empresa para a frente, para que o país também cresça. Mas não acredito na política. Ninguém cumpre nada, há sempre uma desculpa — a guerra, a falência dos bancos, a economia… daí a minha indiferença. O país devia ser governado por gestores, não por políticos.”
Fausto, 54 anos, comercial
25778
62% dos residentes estão em idade activa, em linha com a percentagem nacional (60%).
Fonte: Censos 2021
10%
A percentagem de desempregados é superior à taxa de desemprego nacional (8%).
Fonte: Censos 2021
“Não são os que vêm de fora quem mais usufrui dos benefícios. Portugal é um trampolim, aqui não se ganha nada. As pessoas esfalfam-se a trabalhar, adquirem os documentos e vão-se embora. Deixam cá os descontos. Quem constrói Portugal são os africanos: a construção da Expo’98, os africanos; a extensão do metro, os africanos. O Ventura não vê isso! Em minha casa todos votam — a minha esposa, os meus filhos — menos eu. Respeito a decisão deles, eles têm de respeitar a minha. Os políticos são todos iguais: vira o disco e toca o mesmo.”
Mário, 69 anos, professor reformado
“Acho importante para a democracia existirem partidos apelidados de radicais no Parlamento. São a voz de muitas pessoas que se escondem atrás do politicamente correcto. Esses partidos escrutinam o poder político, têm a coragem de levantar o tapete e ver o lixo que lá está debaixo. Como é que alguém que faz um mau trabalho e é despedido, assume depois funções noutra pasta do Governo? Isso choca-me! É o jobs for the boys [emprego para os amigos]. Temos de ter coragem para mudar. Se isto está mal, prefiro dar o benefício da dúvida a outro partido.”
Fausto, 54 anos, comercial
“Sinto que não há opções. Não quero votar no Ventura, não quero votar no PS, nem no PSD. Não há nenhum político ou partido em quem sinta vontade de votar. Não sinto afinidade nem com os princípios, nem com as medidas. A política está uma nódoa!”
Ana, 29 anos, vendedora ambulante
24%
Percentagem de cidadãos de origem estrangeira a viverem em Agualva e Mira Sintra num total de 41 mil residentes. A naturalidade cabo-verdiana é a mais representada (24%), seguindo-se a angolana (20%) e a brasileira (16%).
Fonte: Censos 2021
“Cheguei de Cabo Verde em 1977. Primeiro morei na Figueira da Foz e depois mudei-me para Agualva, em 2014. Na televisão, vejo política, ouço os discursos e, aos domingos, gosto de ouvir o Luís Marques Mendes. Voto sempre, em todas as eleições.”
Joaquim, 78 anos, pescador reformado
“Vim de Angola há 15 anos. Vivo num país onde posso votar, por isso voto com gosto. Não sou muito de ir a comícios, voto num partido só. As eleições são como um jogo de futebol: queremos sempre que a nossa equipa ganhe. Mudar para melhor, acho difícil, e para pior também espero que não.”
José, 69 anos, pedreiro reformado
“Concordo que, se podemos, devemos ajudar os outros. Mas se não conseguimos ajudar os nossos, como vamos fazer pelos outros? Quando convido alguém para vir a minha casa, limpo-a minimamente primeiro. Não é isso o que estamos a fazer. Portugal é hoje como Inglaterra antigamente: os imigrantes vêm viver de subsídios. E isso eu não posso aceitar.”
Luís, 57 anos, responsável de máquinas
39%
O nível de desigualdade na distribuição do rendimento está em linha com a média das freguesias nacionais (37%), mas longe da freguesia menos desigual do país — o Alandroal, em Évora (30%).
Fonte: Censos 2021
“Muita da população não é originária da freguesia, vem de vários pontos do país, e de outros lugares do mundo. A falta de políticas urbanísticas levou à saída da classe média para municípios como Oeiras e Mafra. Quem ocupou essas casas foram pessoas de origem maioritariamente africana, que vieram do centro de Lisboa e da Amadora — numa expressão antiga de uma rábula do [grupo de quatro humoristas] Gato Fedorento em que perguntavam “Já estiveste em África?, eles respondiam: “a Amadora conta?”. As diferenças culturais que eu vejo nas ruas não existem nas mesas de voto.”
Carlos, 54 anos, presidente da junta